Assessora
política do Inesc parceiro KNH Brasil aborda, em artigo publicado pelo Correio
Braziliense, a questão da redução da idade penal que tornou a ter destaque por
causa da crise na segurança pública, acentuada no final do ano passado.
Cleomar Manhas, doutora em
educação e assessora política do Inesc
(artigo
publicado pelo Correio Braziliense e Estado de Minas)
Em 2013 queremos que os adolescentes estejam visibilizados e
contemplados nas políticas públicas e não criminalizados como estão hoje, com
tantas propostas de retirada de direitos, direcionadas a esta parcela da
sociedade, que, de acordo com a Constituição Federal, tem prioridade absoluta
com relação à ação do Estado. Vejamos o que diz o artigo 227: “É dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão”.
Ao chegarmos a mais um final de ano é comum renovarmos nossas
esperanças e planos para o ano vindouro. Isso em âmbito pessoal, no entanto,
quando atuamos para que as políticas públicas se desenvolvam tendo como
parâmetro a realização de direitos humanos, renovamos esperanças coletivas
relacionadas às políticas sociais.
Em momentos difíceis há sempre “bodes expiatórios” escolhidos para
justificarem as tensões. A crise do momento, capitaneada por São Paulo, diz respeito
à segurança pública. Aliás, não se pode dizer que é a do momento, visto que
desde o advento do crescimento exponencial das grandes cidades, ainda na década
de 1980, o tema está em questão. E agora com uma novidade para os brasileiros,
ela não se restringe aos tradicionais centros tais como São Paulo e Rio de
Janeiro. A violência acompanhou a tendência de descentralização dos pólos de
desenvolvimento econômico e está em lugares ainda não acostumados a sua
presença. E os “bodes expiatórios” são os adolescentes, para os quais há vários
projetos em tramitação no Congresso Nacional solicitando a redução da idade
penal.
O mapa da violência de crianças e adolescentes 2012, pesquisa
realizada pela Flacso, sob a responsabilidade do professor Júlio Jacobo
Waiselfisz, apresentou dados alarmantes acerca da violência sofrida
por crianças e adolescentes na faixa etária compreendida entre 0 e 19 anos. O
Brasil ocupa o 4º lugar em um conjunto de 99 países, com maiores índices de
homicídios nesta faixa etária, com crescimento de 346% entre 1980 e 2010. Sendo
os adolescentes entre 14 e 18 anos as maiores vítimas.
A partir desta pesquisa podemos inferir que os adolescentes são
parcela da população fortemente vitimada pela violência, especialmente,
homicídios, com estatísticas preocupantes e em total confronto com os princípios
de direitos humanos. No entanto, o que vemos, tanto na mídia, quanto no
Parlamento e em parte da sociedade é a criminalização desta parcela da
população, ao invés de estarem refletindo sobre esses números que demonstram
uma verdadeira epidemia.
Outro aspecto relevante diz respeito à educação. Apesar de o
acesso à educação fundamental estar praticamente universalizado, no percurso
entre esta etapa e o ensino médio a educação pública vai perdendo público. Os
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011,
divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
revelam que a quantidade de adolescentes de 15 a 17 anos longe dos bancos
escolares aumentou. Em 2009, 1.479.000 brasileiros nessa faixa
etária não estudavam. Eles representavam 14,8% dessa população. Em 2011, o
número de excluídos subiu para 1.722.000 (16,3% dos 10,5 milhões de
jovens).
De acordo com estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA), acerca do Plano Nacional de Educação,
que está em votação no Congresso Nacional e guiará a política nos
próximos dez anos, a faixa etária entre 15 a 17 anos será o maior desafio para
a universalização da educação, visto o grande número de excluídos do sistema. E
o desafio, ainda de acordo com o estudo, não diz respeito apenas à ampliação de
vagas, mas também na garantia de permanência e progressão dos estudantes ao
longo do ensino fundamental, de modo que ingressem, a partir dos 15 anos, no
ensino médio e concluam a educação básica.
Os motivos de termos expressivo número de adolescentes
fora da escola são vários e vão desde a falta de qualidade da educação,
passando por vulnerabilidades tais como o trabalho infantil, gravidez na
adolescência, falta de transporte escolar, falta de acessibilidade para
adolescentes com deficiência entre outros, que em comum têm o fato de
serem passíveis de resolução por meio de políticas públicas assertivas e
integradas.
Muito se fala da necessidade de integração de políticas, mas pouco
se faz, pois cada órgão público com seus gestores está sempre em busca da
autoria e do protagonismo e não conseguem operar, de fato, em parceria. Porém,
para os adolescentes é urgente que se ofereça um conjunto de políticas
articuladas que incluam educação, saúde, cultura, Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo, segurança pública, dentre outras que atuem de
maneira sistematizada.
Há um enorme aparato legal de garantia de direitos dos
adolescentes, tais como, convenções internacionais, Constituição Federal,
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e
por aí vai. Portanto, o que precisamos é que de fato elas se materializem em
políticas que realizem plenamente os direitos humanos.