No início
do ano, quando os debates sobre a redução da maioridade penal
ganharam destaque na sociedade, levantamento apresentado pelo Instituto de Estudos
Socioeconômicos – Inesc, parceiro KNHBrasil, apontou a existência de 1566
processos em trâmite no Congresso Nacional que poderiam, com
suas pautas, restringir os direitos de crianças e adolescentes.
Tais
medidas colocam a sociedade civil organizada em alerta para que não se
retroceda em relação aos direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e
Adolescente – ECA, vigente há 23 anos, embora ainda
pouco conhecido por parte da população brasileira.
A
iniciativa do Inesc contou com o apoio do Fundo Canadá e
do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF.
A partir dela, foi criada a Agenda Propositiva para
Crianças e Adolescentes no Congresso Nacional, que aponta 96
processos prioritários para as organizações da sociedade civil que defendem os
direitos da infância e da adolescência. A agenda inclui projetos ativos que têm
potencial para ampliar ou restringir direitos e garantias e, dessa maneira,
visa articular os movimentos atuantes na área.
Mais de 30
organizações e instituições participaram do seminário realizado, no primeiro
semestre de 2013, para a discussão da Agenda Propositiva. “Elegemos
os projetos que gostaríamos de ver aprovados e os que gostaríamos que fossem
rejeitados. Após essa etapa, fizemos uma audiência pública e apresentamos a
agenda para o parlamento e para os deputados que têm afinidade com o tema dos
direitos da criança e do adolescente. Estamos nos mobilizando para que essa
agenda seja cumprida. O Conanda também estabeleceu, com todo o
seu colegiado, essa agenda como prioritária para as ações de 2013. Fizemos essa
incidência e conseguimos envolver nesse processo várias organizações e
coletivos que tratam os direitos da criança e do adolescente”, explica a
assessora política do Inesc Cleomar Manhas.
PELA GARANTIA DE DIREITOS
No Congresso
Nacional existem, no total, 41 Projetos de Emenda Constitucional – PEC
com o objetivo de aprovar a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
Além disso, também há projetos que visam inserir o direito penal juvenil no
próprio ECA. Atualmente, essa é a questão que mais preocupa os
movimentos.
O
levantamento do Inesc destacou 22 projetos que abordam a
redução, entre os quais apenas dois são considerados positivos por apresentarem
medidas socioeducativas. “Estamos tentando fazer com que essa pauta não se
concretize, mas ela está muito forte dentro do parlamento.
Existem
vários projetos tramitando nesse sentido, tanto na Câmara como no Senado. [...]
Há cerca de dez dias houve um evento no parlamento que teve como mote os 23
anos do ECA e a defesa e garantia dos direitos de crianças e
adolescentes. Agora, o Congresso tende a paralisar até agosto e duas pautas que
vão ser retomadas com força total, após esse período, são a questão da
manutenção da maioridade penal e o Plano Nacional de Educação, que
também é uma das nossas pautas”, explica Manhas.
Segundo a
articuladora institucional da Inspetoria São João Bosco e
conselheira do Conselho Nacional das Crianças
e Adolescentes – Conanda, Miriam Maria José dos Santos, a
maioridade penal após os 18 anos é uma cláusula pétrea, prevista na Constituição
Federal (artigo 228). Além disso, “endurecer as penas não vai resolver
a questão da violência”, ressalta Santos.
“Para
reduzir a violência é preciso mudar as ações preventivas, com políticas
públicas, e criar caminhos para que se possa garantir o acesso a essas políticas.
A única política pública que é obrigatória para todos os governos é a educação,
e, mesmo assim, temos meio milhão de crianças e adolescentes fora do ensino
fundamental e médio. Temos que garantir o acesso à saúde, ao esporte e ao
lazer. Não temos políticas efetivas nesses campos. A profissionalização de
jovens precisa ser transformada em política pública. Atualmente, apenas 200 mil
jovens são atendidos pelo programa de aprendizagem, enquanto se tem a meta de
chegar a um milhão até 2015. É preciso criar o enfrentamento da violência por
meio de ações políticas no Poder Executivo, no Legislativo e no Judiciário”,
enfatizou.
De acordo
com Santos, a população, no geral, desconhece o Estatuto da Criança e
do Adolescente e, por esse motivo, há a disseminação de ideias
equivocadas. “Na verdade, o ECA já responsabiliza a partir dos
12 anos de idade. O que acontece, hoje, é que os órgãos públicos envolvidos não
fazem o que determina a lei, desde os órgãos que investigam, até as medidas
aplicadas. E se um dos fatores falha, a sociedade acaba imputando apenas um dos
atores do processo, o adolescente. [...] A população tem uma visão mais
simplista, existem os meios de comunicação que trabalham com muita
irresponsabilidade e quem recebe essa informação equivocada não tem acesso a
pesquisas, a estudos relacionados a crianças e adolescente que comentem o ato
infracional. Não se busca saber o porquê, esses veículos não fazem a análise de
que as crianças e adolescentes são mais violados nos seus direitos do que violam”,
afirmou.
Manhas
também observa que boa parte da sociedade acredita que o ECA não
deu certo, mas ressalta que não há um atendimento socioeducativo eficaz no
Brasil. “Ocorre que o próprio Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, que era uma regulamentação do Estatuto da Criança e
do Adolescente, só foi aprovado pelo Congresso em 2010 e, desde então, ele
ainda não foi de fato aplicado. Os Estados deveriam criar instituições para
acolher os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e privação de
liberdade que fossem educadoras e de acordo com o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo, mas, na maioria dos casos, isso não ocorre. Não
se construiu nada ainda e não encontramos exemplos positivos nesse campo”.
A Agenda
Propositiva separa, de acordo com os temas e as propostas, os
processos que envolvem direitos da criança e do adolescente. No tema Conselhos
Tutelares e Conselhos de Direitos, é dada ênfase ao PL110/2012, que
atribui a função de requisitar serviços públicos de cultura, esporte e lazer
aos Conselhos Tutelares.
Já em Crimes,
Infrações Administrativas e Processo Penal, é destacado o PL
1011/2011, que insere o bullying no Código Penal. O
tema Convivência Familiar e Comunitária tem como foco o PL7018/2010,
que veda a adoção por casais homoafetivos. Em Respeito, Liberdade e
Dignidade, a prioridade é o PL 7672, ação contra castigos
físicos e maus tratos.
Já na área
de Educação há três propostas, entre elas o PLC
103/2012, que aprova o Plano Nacional de Educação. A agenda
também aponta o registro da incidência, os responsáveis e o prazo para cada
proposição legislativa.
Diante do
levantamento realizado pelo Inesc e diante da Agenda
Prepositiva para Crianças e Adolescentes no Congresso Nacional, Manhas
afirma que é preciso verificar que o Estado está sendo punitivo e exerce uma
violência nada legitima. “Deveríamos perceber e analisar que o Estado deve ser
promotor de direitos, mas promotor para toda a população e não apenas para uma
pequena parcela mais favorecida e que acha que todas as pessoas que não estão
dentro da mesma classe social podem ser potenciais pessoas violentas. [...] Na
verdade, nós temos um mito de conservadorismo e de preconceito que reforça as
nossas profundas desigualdades e nós precisamos reduzir esse poço. O Brasil é
um país profundamente desigual, isso é a maior violência que pode acontecer e é
o que deveria ser sanado”.
Obtenha o material O Relatório Técnico da Agenda Propositiva para Crianças e Adolescentes no Congresso Nacional, aqui.
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