Créditos Yuri Kiddo, do Promenino com Cidade Escola
Aprendiz
Na tarde de 14
de agosto, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda), em conjunto com o Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), realizou
um ato no Congresso Nacional em defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) contra a redução da maioridade penal. A Câmara de Deputados ficou cheia,
especialmente de crianças e adolescentes, além de representantes de
organizações não governamentais que marcaram a data com o tema "Em defesa
do ECA". Aquele movimento deixava claro para os parlamentares que as
propostas de redução da idade penal que tramitam no Congresso Nacional não
atendem às expectativas da sociedade civil organizada.
“Existem 19
projetos de lei dentro do Congresso que pedem a redução da maioridade penal. A
sociedade civil, representada pelas instituições que trabalham no movimento
pela infância e juventude, é veemente contra qualquer proposta reducionista”,
afirma o coordenador geral do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH),
Rildo Marques. “Essa proposta lotaria mais ainda as unidades da Fundação Casa,
não resolvendo o problema da violência, pelo contrário, faria com que
aumentasse ainda mais”.
A última
novidade sobre o tema foi uma proposta sobre Responsabilização Progressiva de
Adolescentes Autores de Ato Infracional, que foi motivo de discussões a partir
de 12 de julho em âmbito federal, no Conanda, e entre diversos movimentos de
defesa e proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
A proposta de
Responsabilização Progressiva foi elaborada a pedido da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH), com apoio técnico do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), como uma alternativa aos projetos sobre
redução da maioridade penal, com objetivo de ampliar o tempo de internação dos
adolescentes autores de ato infracional. Com isso, ao cometer uma infração
considerada grave, a Justiça permitiria que o adolescente pudesse ser internado
na Fundação Casa por até oito anos, de acordo com a idade. Veja na tabela
abaixo.
Idade
|
Tempo de internação
|
Entre 12 e 13 anos
|
Mínimo de 1 ano e 6 meses e
máximo de 3 anos;
|
Entre 13 e 14 anos
|
Mínimo de 2 e máximo de 4
anos;
|
Entre 14 e 15anos
|
Mínimo de 2 anos e 6 meses e
máximo de 5 anos;
|
Entre 15 e 16 anos
|
Mínimo de 3 e máximo de 6 anos;
|
Entre 17 e 18 anos
|
Mínimo de 4 e máximo de 8 anos;
|
Quase um mês depois, em assembléia do
Conanda naquele mesmo 14 de agosto, o Governo Federal desistiu do projeto. O
MNDH foi o responsável por apresentar no Conselho documento com mais de 100
páginas contrário à proposta da Responsabilidade Progressiva, que ajudou a
fazer com que a proposta caísse. A proposta não andou por que o governo se
demonstrou “sensível ao posicionamento contrário da sociedade civil à
responsabilidade progressiva”, segundo declaração da assessoria da SDH à
reportagem do Promenino.
“A prioridade
do Governo Federal mantém-se em sensibilizar a todos contrariamente à redução
da maioridade penal, bem como concluir o Plano Nacional de Atendimento
Socioeducativo e assegurar uma política de melhorias nas instituições voltadas
às medidas de meio fechado e qualificação do meio aberto, bem como a capacitação
dos servidores que trabalham nas instituições”, afirmou a SDH.
Efetividade do
ECA
Mas o debate
deve continuar, não apenas da maioridade penal, mas de disputa pela reforma do
ECA.Pelo Estatuto,
a medida socioeducativa atualmente prevê a internação de, no máximo, três anos,
e quem determina a pena é sempre um conjunto de decisões acertadas entre
educadores, Ministério Público e Judiciário.
O documento da
responsabilização progressiva defendia, como justificativas, a necessidade de
alterar a Lei nº 8.069/90 do ECA (que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências).
O argumento era
o de que o ECA teria sido elaborado há algum tempo, o documento é de 1990. O
ECA “desconsidera completamente o desenvolvimento progressivo e contínuo da
maturidade ocorrido durante a adolescência, estabelecendo um sistema único de
responsabilidade infracional a ser imposto a todos os adolescentes infratores
que cometerem atos mediante violência e grave ameaça à pessoa ou reiteração no
cometimento de outras infrações graves, com previsão genérica da possibilidade
de internação pelo período máximo de 3 anos”, explica um dos membros
elaboradores da proposta de Responsabilização Progressiva, o advogado João
Saraiva.
Ele diz que “o debate oferece uma perspectiva para mudar o foco da discussão,
retirando esse olhar obtuso da redução da maioridade penal e trazendo o foco no
âmbito do direito da criança no sentido de verificar níveis distintos de
responsabilização do adolescente, que tem sua autonomia conquistada
progressivamente”.Saraiva propõe
uma reflexão em torno do modelo que o Estatuto estabeleceu em 1990, que, para
ele, “não tem dado a resposta de confiança normativa e necessária. Isso tem
causado um prejuízo à efetividade dos direitos da criança porque coloca em
cheque a eficácia do ECA”.
De acordo com
Saraiva, que defende a proposta de responsabilização progressiva, o Estatuto
tem vários níveis de operacionalidade. “Um deles diz respeito à educação,
saúde, transporte, políticas públicas, lazer. Essa parte tem sido
suficientemente satisfeita? Não, não tem”.
Por outro lado,
há um problema quando o sistema protetivo que envolve a atuação dos conselhos
tutelares enquanto organismos de garantia de direitos não é satisfatório.
“Ninguém apresenta alternativas para prevenção à violência, sempre são para
repressão. E a repressão não traz hoje concretamente nenhum dado de recuo da
violência, ao contrário, a quantidade de violência vem crescendo. Ninguém fala
de medidas de prevenção, que é a primeira parte do Estatuto da Criança e do
Adolescentes”, defende o coordenador geral do Movimento Nacional de Direitos
Humanos (MNDH), Rildo Marques.
Quando se
questiona a efetividade do ECA, pouco se faz na prática para garantir e
proteger direitos, além da aplicação de medidas socioeducativas, segundo
Marques, que usa o exemplo das duas rebeliões que ocorreram em São Paulo , na semana do
dia 14 de agosto. “Certamente essas rebeliões são para provocar, na sociedade,
esse apelo da redução da maioridade contra os meninos. Uma Fundação que procura
fazer a reeducação desses jovens não tem rebelião, quando isso acontece é
porque o governo está fazendo tudo errado”.
Para ele, a
solução seria investir em políticas públicas de qualidade. “O caminho é que o
governo do Estado, por exemplo, o de São Paulo, invista em políticas de
educação efetivas, saúde, cultura, sobretudo na periferia”.
Responsáveis
pela violência
Existe um
discurso que tenta justificar a redução da maioridade penal ou o aumento da
pena para adolescentes por considerar que os jovens são os grandes responsáveis
pela violência no país. Porém, um estudo do Ministério da Justiça revelou que,
em 2011, os crimes com morte representaram 10,3% dos atos infracionais
cometidos por adolescentes, enquanto 43,7% dos meninos e meninas que cumprem
medidas socioeducativas cometeram atos infracionais sem o uso de violência,
como furto, por exemplo.
A juventude no
Brasil morre muito mais do que mata. Os assassinatos cometidos por adolescentes
em conflito com a lei equivalem a menos de 1% de todos os crimes cometidos no
país, diz pesquisa do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Illanud). Já o Mapa da
Violência de 2012 aponta que os jovens representam 67,1% das vítimas de armas de
fogo no país.
Já o Centro
Brasileiro de Estudos Latino-Americanos e a Flacso Brasil (Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais) avaliam que a cada três mortos por arma
de fogo dois estão na faixa dos 15
a 29 anos, e que o número de negros assassinados é 133%
maior que o de brancos, em todas as faixas etárias. “Isso mostra a falha do
Estado de não promover uma cultura de igualdade e de paz. Ao contrário, promove
uma cultura desigual e autoritária, e a população desinformada não vê outras
formas e alternativas, acha que com a redução da maioridade penal a violência
vai ser reduzida. É um erro que os meios de comunicação ajudam a fomentar, sem
aprofundamento”, reflete o coordenador do MNDH.
Ainda de acordo com o Mapa da Violência
2012, o Brasil é o 4º país entre 99 pesquisados que mais mata crianças e
adolescentes no mundo, com taxa de 44,2 por cem mil, ficando atrás apenas de El
Salvador, Venezuela e Trinidade e Tobago.
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