Créditos: Yuri Kiddo
Até o final da leitura deste
texto, uma pessoa do sexo feminino sofrerá algum tipo de violência. Isso porque
a cada cinco minutos uma mulher é agredida no Brasil, de acordo com o “Mapa daViolência 2012 – Homicídio de Mulheres”. O Dia Internacional para a Eliminação
da Violência contra a Mulher, lembrado hoje, em 25 de novembro, demonstra-se
extremamente importante para reflexão e mobilização no 7º país com a maior taxa
de homicídio de mulheres, segundo o mesmo mapa.
Em pesquisa da ONG
Articulação Feminista Marcosur (AFM), o Brasil ocupa a 15ª posição de uma lista
de 16 países, no índice que mede a igualdade de gênero entre mulheres e homens
na América Latina e Caribe, à frente apenas da Guatemala.
Os dados brasileiros são
assustadores. A cada duas horas uma mulher é vítima de homicídio,
contabilizando 372 mulheres mortas por mês. Os índices foram levantados pelo
Instituto Avante Brasil (IAB) a partir de dados do DataSUS, do Ministério da
Saúde; e revelam um retrocesso, se comparado à década de 1980, por exemplo,
quando uma mulher era assassinada a cada seis horas, totalizando 113 por mês.
Desde o nascimento, as
mulheres são as principais vítimas de violência em todas as faixas etárias.
Para crianças e adolescentes com até 19 anos, a violência física é
predominante, seguida da violência sexual, totalizando mais da metade dos
atendimentos realizados na rede pública de saúde, em 2011. O terceiro tipo de
violência mais recorrente é a psicológica. O levantamento revela que a maior
parte das vítimas de violência sexual tinha menos de 20 anos. Além disso, a
maior parte das agressões ocorrem na própria residência, lugar que deveria ser
chamado de lar.
Carinho
do pai
Beatriz tem 13 anos e é
filha única de um casal muito religioso. Sem nunca ter um namorado ou qualquer
outro tipo de contato social que não fosse o da igreja, a garota engravida.
Beatriz não sai sozinha nem para ir à escola, já que estuda em casa, sendo seu
pai o professor.
Depois de algumas sessões no
Posto de Saúde de seu bairro, a garota, sempre calada e retraída, vai um dia
sem a mãe e, com muita dificuldade, chora ao falar sobre o pai que, “mesmo
carinhoso, não gostava de ser contrariado”. Demonstrando medo e em meio a
lágrimas, Beatriz relata que seu pai já tinha lhe ensinado “como fazer filhos”
e, sobre os “carinhos” a que ele a submetia. Chantagens e ameaças a obrigavam
optar pelo silêncio.
Ao ser notificada sobre a
situação de incesto e abuso sexual, a mãe de Beatriz chora e desabafa sem saber
o que fazer, pois seu marido é um homem autoritário e violento em certos
momentos e que já ameaçou até matá-la em outra ocasião em que foi contrariado.
A assistência social informou que medidas legais e de proteção deveriam ser
tomadas, a orientaram procurar a Delegacia da Mulher e sugeriram o abortamento
legal, já que a menina não queria ter o filho. Em apenas um caso, relatado no
documento “Mulher Adolescente/Jovem em Situação de Violência”, da Secretaria de
Políticas para Mulheres (SPM), é possível identificar diversas violações de
direitos em uma pessoa com apenas 13 anos.
Historicamente o abuso
sexual é a violação mais recorrente e o trabalho infantil doméstico a mais
evidente. “Há a forte presença de meninas de 5 a 14 anos em casa de tios,
outros parentes e de terceiros. Esse comportamento vem de uma lógica
escravocrata, a herança patriarcal ainda coloca o homem no centro do poder, que
não enxerga a mulher como ser de direito”, afirma a advogada e assessora técnica
do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Luana Natielle. “Muitas
vezes a menina internaliza que ela é culpada pela violência, tornando natural
sua condição”.
Para ela, a maioria das
crianças que cresceram em espaços de violência refletem isso na vida adulta.
“Os agressores de hoje geralmente são os que sofreram algum tipo de violência.
As crianças que vivem nesse espaço têm menor desenvolvimento acadêmico, mais
dificuldade em se relacionar e se tornam mais violentas”.
Cultura
do machismo
As relações desiguais entre
homens e mulheres e a construção social do gênero feminino como inferior ao
masculino sustentam a violência contra as mulheres. “Essa violência ocorre em
função das raízes históricas, culturais e econômicas, de dominação de gênero e
de classe, que se mantêm pela reprodução da cultura do machismo e pela questão
da sobrevivência e do consumo”, avalia a secretária executiva do Comitê
Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes,
Karina Figueiredo.
Questões de agressão contra
mulher e desigualdade de gênero são geracionais e ainda latentes, sendo a
violência física e simbólica. “Mesmo com uma mulher presidente, ainda chegamos
no mercado de trabalho em condições desiguais, os salários continuam os menores
para os mesmos cargos, há discriminação”, aponta a assessora do CFEMEA.
Luana acredita que houve
avanço em relação aos direitos para a mulher e igualdade de gênero nos últimos
50 anos, mas que, apesar de termos leis de proteção especial, o número de agressões
cometidas pelos companheiros não diminuiu nos últimos sete anos, desde a
criação da Lei Maria da Penha. “A cultura brasileira é marcada pelo machismo
que determina espaços e comportamentos para mulher. O empoderamento da mulher
incomoda o homem porque ele não aceita a retomada do sexo feminino no espaço
público, com o domínio e liberdade do próprio corpo e vida. Então ele agride e
mata”.
Estado inerte
Apesar da Lei Maria da Penha
e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) oferecerem proteções específicas
para crianças e adolescentes meninas, Luana Natielle revela que a estrutura de
atendimento existente não supre a demanda. “O Brasil aumentou o orçamento
destinado às mulheres, mas esse dinheiro não chega na base do atendimento,
porque aumentou também a violência. Então tem algo errado”. Como solução, ela
sugere mais políticas públicas e campanhas que promovam o empoderamento dessas
mulheres, e que dialoguem com homens também.
Outro ponto destacado pela
assessora técnica do CFEMEA é o papel da indústria e da mídia que reproduz e
fortalece os estereótipos da mulher como submissa e inferior. “Os programas de
TV, desenhos, novelas e as propagandas reforçam a visão da mulher nos afazeres
do lar, os brinquedos de meninas são direcionados para cuidar da casinha ou do
bebê. É preciso um quadro muito forte de mudança que ensine o respeito e a
igualdade”.
Para que essa mudança
aconteça, Luana aposta na reeducação da sociedade. “É necessário disciplinas
nas escolas que discutam questões de gênero e de direitos das mulheres e
minorias. Mas enquanto o Estado for inerte, as mulheres vão continuar sendo
agredidas e mortas”.
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