Créditos: Leonardo Sakamoto
Um amigo me ligou para
desabafar. Uma menina da idade de sua filha pequena, maquiada como gente
grande, havia lhe oferecido um programa na noite anterior, em uma cidade
qualquer do interior do país. Aquilo lhe embrulhou o estômago. Como, segundo
ele, vejo essas desgraças todos os dias, queria saber como aguento.
E
quem disse que aguento? Ganhar casca grossa de proteção diante de tragédia não
significa ficar insensível a ela. Ver meninas, que deveriam estar estudando
fórmula de báskara para a prova, alugar seus corpos para sobreviver ou para
garantir o faz-me-rir de alguém dá um misto de raiva e sensação de impotência.
É
muito triste ver uns tiquinhos de gente entrando em boleias de caminhões, na
madrugada de estradas, por alguns trocados, como cansei de ver. Ou as “putas
com idade de vaca velha”, ou seja, 12 anos, em bordeis da Amazônia.
Exploração
sexual de crianças e adolescentes não é novidade no Brasil. E nem é vinculada
apenas a uma classe social: há denúncias de políticos e empresários que alugam
barcos e hotéis para consumir as crianças que compraram ou aqueles que fazem o
serviço em seus luxuosos escritórios ou em casas alugadas coletivamente com
amigos em bairros chiques. Isso sem contar os milhões de acessos a vídeos
e fotos de pornografia infantil envolvendo crianças brasileiras que fazem
sucesso em nobres computadores e tablets.
Muita
gente fica indignada quando, em palestras e debates, digo que, para além da
pedofilia (que é doença e pode ser tratada), há no país um exército anônimo –
alimentado pelo nosso machismo – defendendo que se alguém tem “peito e bunda”,
já está maduro o suficiente para prestar serviços sexuais.
Neste
ano, a Repórter Brasil lançou um relatório sobre a erradicação das piores
formas de trabalho infantil no país (exploração sexual, trabalho rural,
trabalho doméstico e trabalho infantil urbano informal e ilícito). Nele,
avaliou-se que o país não deve conseguir cumprir sua meta de acabar com essas
situações em três anos, como prometido.
De
acordo com o relatório, nos últimos 20 anos, as ações de enfrentamento
avançaram, com sensibilização da sociedade, multiplicação das políticas
públicas e participação do setor empresarial. De 2004 a 2010, o número de
programas federais para a área saltou de três para 13, o que refletiu no
aumento das denúncias.
O
fator cultural tem um peso importante no combate à exploração sexual. Além de
medidas para dar conta da vulnerabilidade social das vítimas, também é preciso
criar políticas que levem em consideração a cultura do já citado machismo, além
de racismo, homofobia e outros preconceitos que dificultam a atenção às
vítimas.
Entidades
ligadas à rede de enfrentamento ao problema alertaram para a intensificação
desse tipo de violação nas regiões onde estão sendo construídas as grandes
obras de infraestrutura e para os megaeventos. Por exemplo, em fevereiro deste ano,
a Polícia Civil de Altamira, no Pará, encontrou 14 mulheres e uma travestiem
regime de escravidão e cárcere privado em um prostíbulo frequentado pelos
trabalhadores dos canteiros de obras da hidrelétrica de Belo Monte. Entre elas,
uma adolescente de 16 anos que conseguiu fugir e denunciou a situação.
Um
dia um fazendeiro português com terras no Mato Grosso disse a Pedro
Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos do campo no Brasil, para justificar
a exploração: “Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de
Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço”. E que preço
salgado temos pagado pelo progresso de alguns. A fatura inclui a inocência de
nossas crianças, perdida antes do tempo, no escuro do asfalto, de bordeis, de
casas chiques acima de qualquer suspeita.
A
hora é boa para discutir o tema. Avançamos, mas falta muito para coibir o
turismo sexual de nacionais e estrangeiros.
Pois,
além dos sorrisos, esse povo festeiro, lindo e mágico, que comemora cada gol
com a mesma alegria com a qual recebe os visitantes deste país incrível que
Deus escolheu para abençoar e acolhe com amor e carinho todos aqueles que
desejam se juntar ao maior espetáculo da Terra, não vai poupar esforços para
oferecer aos que vêm de fora o que temos de melhor.
Nossas
crianças.
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