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Por Juliana Sada, do
Promenino Fundação Telefônica com Cidade Escola Aprendiz
Nesta última semana, o
debate sobre a redução da maioridade penal voltou à tona. Desta vez, o mote foi
o assassinato de um jovem de 19 anos durante um assalto, em São Paulo, por um
adolescente prestes a completar 18 anos. A discussão, no entanto, não é nova.
Tramitam no Congresso Nacional 25 projetos que, entre características diversas,
buscam o endurecimento do tratamento dado aos jovens com menos de 18 anos em
situação de ato infracional.
Para a defensora pública e
coordenadora do Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria
Pública de São Paulo, Leila Rocha Sponton, a questão da redução da idade penal
reaparece com força “porque falar sobre esse assunto é mais fácil do que
encarar os grandes problemas da criminalidade no Brasil”.
Na sua visão, ainda é cedo
para dizer que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) está desatualizado ou
deva ser modificado: “o que ocorre, na verdade, é que o Estatuto está longe de
sua efetivação”, explica.
Leila Rocha comenta os projetos que estão no Congresso Nacional e
rebate os principais argumentos do discurso pró redução.
O
governador Geraldo Alckmin afirmou que irá encaminhar ao Congresso Nacional uma
proposta que prevê que, ao completar 18 anos, o adolescente infrator deverá ser
transferido da Fundação Casa para um presídio comum. Você concorda com essa
medida? [hoje, 16/04, o governador anunciou que a proposta será outra: ao
completar 18 anos o adolescente seria transferido para uma ala de adultos,
dentro da própria Fundação Casa]
Tal proposta afronta o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina que uma pessoa que
comete o ato infracional antes dos 18 anos cumpra medida socioeducativa, ainda
que complete a maioridade penal em seu decorrer. Ao propor que um jovem vá para
um estabelecimento prisional, fica claro que todo o acompanhamento tido por
ele, ainda que por um breve período, será perdido. Ou seja, perde-se o
investimento por parte do Estado. Além disso, na prática, muda-se o caráter da
medida socioeducativa, transformando-a em pena tão somente porque o adolescente
completou 18 anos.
Outro
ponto do projeto acaba com o limite de três anos de reclusão para o
adolescente, prevendo penas maiores. O aumento da pena desestimula o crime?
Não. E isso pode ser
comparado aos casos que envolvem adultos. A lei de crimes hediondos entrou em
vigor no ano de 1990, o mesmo ano do Estatuto da Criança e do Adolescente. O
tráfico de entorpecentes, por exemplo, é um crime equiparado aos hediondos, tal
como o homicídio qualificado. Para os casos, pensou-se no enrijecimento das
penas e das possiblidades de progressão do regime como alternativas para a
diminuição de tais crimes, o que não ocorreu na prática. O mesmo raciocínio se
faz com o aumento de tempo de internação: não é o período de internação que
estimula ou não o cometimento de crimes. Em vez de se pensar na punição,
devemos agir na área preventiva, para que estes jovens não tenham sequer que
passar pelo sistema de justiça.
Muitos
afirmam que, por estarem protegidos pelas leis, os adolescentes cometem
infrações ou são recrutados pelo crime organizado para cometê-las. Isso é
verdade?
O Estatuto da Criança e do
Adolescente não é uma lei protetiva no sentido de garantir a impunidade. Vários
são os artigos que tratam da responsabilização do adolescente pela prática do
ato infracional. O que ocorre é que o tratamento a ser dado a um jovem não é o
mesmo a ser dado a um adulto, mas isso não significa falta de
responsabilização. Aliás, não raro, adultos, pela possibilidade de progressão
de regime, conseguem deixar o regime fechado antes de um adolescente deixar a
Unidade de Internação, ou mesmo receber pena em regime semiaberto. Já o jovem,
por previsão do Estatuto, pode ser internado.
Também
se argumenta que a lei está desatualizada e os adolescentes estão mais
perigosos atualmente. Você vê esse panorama?
O Estatuto sempre foi
considerado uma lei bastante moderna. Aliás, quando entrou em vigor, no ano de
1990, foi considerada uma norma avançada para o Brasil. É uma lei que serve de
modelo para várias legislações internacionais sobre a criança e o adolescente.
Chega a ser um contrassenso uma lei considerada avançada demais para o país em
sua edição ser considerada defasada 23 anos depois. O que ocorre, na verdade, é
que o Estatuto passou longe de ser efetivado. Várias de suas normas e
previsões sequer foram colocadas em
prática a ponto de se afirmar que é uma “lei que não deu certo” ou que “está desatualizada”.
Também não é correto dizer que os jovens estão mais perigosos. Talvez hoje
tenhamos dados mais concretos sobre adolescentes, algo que não ocorria em
décadas anteriores, de forma que a aparência de maior periculosidade se mostre
mais presente atualmente.
Entre
as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que estão no Senado, algumas
preveem a redução da maioridade penal se o crime for mais grave – como
homicídio doloso, latrocínio – ou se houver reincidência. Você concorda com
essa proposta? Isso poderia ser uma brecha para a redução da maioridade?
Não é só uma brecha. Nesses
casos, se configura como a verdadeira redução. O que ocorre é que esse tipo de
proposta confronta diretamente todas as diretrizes e princípios, não só do
Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também de tratados internacionais dos
quais o Brasil faz parte. Não se define a capacidade de uma pessoa de
compreender o caráter de sua conduta levando em consideração o crime/ato
infracional praticado, mas sim características pessoais, entre outras questões
que fogem do âmbito da gravidade do crime ou sua reincidência.
Algumas
PECs preveem que haja a redução se houver um laudo afirmando que o adolescente
tem capacidade de entendimento do episódio. Isso é viável?
Nem mesmo em relação aos
profissionais da área da saúde há unanimidade sobre a possibilidade de um laudo
poder afirmar com toda a clareza sobre a capacidade de entendimento. Há quem
defenda que essa capacidade se daria, inclusive, para além dos 18 anos. Além
disso, coloca-se na mão de um profissional, extremamente capacitado, mas que
não pertence à área jurídica, a responsabilidade de se decidir sobre
responsabilização penal, assunto que vai muito além de uma avaliação médica ou
psicológica.
O
debate sobre a redução da maioridade penal ganha força sempre que um adolescente
comete uma infração de natureza violenta. Esse tipo de prática é comum ou é
exceção?
Dados recentes da Fundação
CASA mostram que adolescentes que cumprem medida de internação por ato
infracional equiparado a latrocínio representam 0,9% do número de internos. O
ato infracional mais comum entre os internos é o tráfico, que não é considerado
um crime violento, embora possa ser equiparado a um crime hediondo. Aliás, os
adolescentes estão presentes em no máximo 10% deste tipo de crime, o que mostra
que se há o aumento da violência, os adolescentes não são os grandes
responsáveis. Assim, devemos analisar até que ponto o aumento da pressão pela
redução da maioridade, quando do cometimento de um ato infracional violento por
um adolescente, realmente ocorre porque o jovem é o grande responsável pelo
aumento da violência ou porque falar sobre esse assunto é mais fácil do que
encarar os grandes problemas da criminalidade no Brasil.
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