Advogado Ariel de Castro Alves explica que autor do crime
que matou Victor Hugo Deppman pode ficar preso mais do que 3 anos em internação
psiquiátrica
Créditos Adriana Delorenzo
O assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19
anos, durante um assalto em frente à sua casa no bairro de Belém, zona leste de
São Paulo, reabriu o debate sobre a redução da maioridade penal. O assaltante
era um jovem de 17 anos que acaba de completar 18. Com isso, a lei prevê três
anos de internação, que pode ser ampliada caso se comprove a periculosidade do
autor do crime devido a transtornos psiquiátricos. Foi o que aconteceu com Champinha, condenado pelo assassinato brutal de Felipe Silva Caffé,19 anos, ede Liana Bei Friedenbach, 16 anos, em 2003. Para falar sobre o assunto, a Fórum
entrevistou o advogado Ariel de Castro Alves,especialista em Políticas de
Segurança Pública pela PUC- SP e ex- conselheiro do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Para ele, “reduzir a idade
penal seria como reconhecer a incapacidade do Estado brasileiro em garantir
oportunidades e atendimento adequado à juventude. Seria como um atestado de
falência do sistema de proteção social do País”. Confira abaixo a entrevista na
íntegra.
Por
que o debate sobre a redução da maioridade penal sempre vem à tona após crimes
contra jovens de classe média como o assassinato de Victor Deppman?
Ariel de Castro Alves - Os familiares das vítimas têm
todo o direito de se manifestar e provavelmente se eu estivesse no lugar deles,
após ter perdido um ente querido, também pediria a redução da idade penal ou
até pena de morte. Mas temos que diferenciar a emoção da razão. Racionalmente
entendo que esta não é a solução para a questão da criminalidade
infanto-juvenil no País.
Ariel de Castro Alves |
Às vezes também parece que só a vida de jovens de classe
média ou alta tem valor na sociedade brasileira. Milhares de jovens são
assassinados todos os dias nas periferias e poucos tratam do assunto ou se
revoltam e exigem soluções para os casos. Existe muito oportunismo e demagogia
nessas discussões.
Há 17 anos venho me posicionando a atuando contra a
redução da idade penal. Entendo que se trata de medida ilusória já que o que
inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição. No Brasil
existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são
esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria
na atuação e estruturação do Judiciário.
As propostas de redução da idade penal também são
inconstitucionais, só poderiam prosperar através de uma nova Assembléia
Nacional Constituinte. Além disso, a reincidência no Sistema Prisional
brasileiro, conforme dados oficiais do Ministério da Justiça, é de 60%. No
sistema de internação de adolescentes, por mais crítico que seja, estima-se a
reincidência em 30%. A Fundação Casa de São Paulo tem apresentado índices de
13%, mas não levam em conta os jovens que completam 18 e vão para as cadeias
pela prática de novos crimes.
Essa medida é enganosa, só vai gerar mais crimes e
violência. Teremos criminosos profissionais, formados nas cadeias, dentro de um
Sistema Prisional arcaico e falido, cada vez mais precoces.
De
acordo com a legislação atual, quanto tempo o adolescente que atirou em Victor
pode ficar preso?
Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do
Adolescente estabelece até 3 anos de internação (privação de liberdade). Se o
autor do crime sofrer transtornos psiquiátricos e ficar demonstrada a sua
periculosidade através de laudos e relatórios após os 3 anos, a lei que criou o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, que entrou em vigor em abril de
2012, prevê a ampliação do tempo por prazo indeterminado, transformando a
internação socioeducativa em internação psiquiátrica.
O
governador Geraldo Alckmin anunciou que seu partido (PSDB) vai enviar ao
Congresso Nacional um projeto de lei para tornar o Estatuto da Criança e do
Adolescente mais rígido, com penas maiores para menores. O que o sr. acha
disso? Deve-se punir com mais rigor?
Ariel de Castro Alves - Ele já anunciou essa proposta em
2003 e 2012, após momentos de clamor social diante de crimes graves e rebeliões
na Fundação Casa, mas ele mesmo não deu sequência. Vejo certo oportunismo e
demagogia nesta atitude.
A questão da ampliação do tempo de internação é passível
de discussão, cabe ao Congresso Nacional criar uma Comissão Especial e tratar
do tema com vários especialistas. Toda lei pode ser atualizada ou reavaliada, o
Estatuto da Criança e do Adolescente neste item também pode ser, se o congresso
e os especialistas assim entenderem. O que não podemos é ter legislações com
base na emoção e sim pela razão. O clamor popular após esses casos gravíssimos
não contribui com o processo legislativo e abre espaços para oportunismos.
Porém, se o tempo de internação ao invés de até 3 anos, fosse de 6 anos,
possivelmente a Fundação Casa teria 18 mil internos, ao invés dos 9 mil que tem
hoje, tendo mais superlotação e sendo necessários mais investimentos do Estado.
Já a proposta do governador de transferir os jovens da
Fundação Casa para presídios é totalmente inadequada. O Sistema Prisional
Paulista está com a superlotação acima dos 100%. Além disso, a reincidência
passa dos 60% e muitas prisões são dominadas por facções criminosas. Já a
Fundação Casa tem anunciado a reincidência em torno de 13%. Colocar os jovens
num sistema prisional falido e superlotado só vai aumentar a criminalidade no
Estado.
Ao invés de transferir os maiores de 18 para presídios, é
pertinente que existam unidades de internação específicas aos jovens com idades
entre 18 anos até completarem os 21 anos. É uma obrigação do Estado já prevista
na lei. Eles não podem ser transferidos
para presídios comuns, já que a medida socioeducativa deve ser cumprida
em unidade de internação e não em presídios comuns. Apesar dos jovens já terem
18 anos de idade, eles cometeram o ato infracional quando tinham menos de 18
anos e podem cumprir até 3 anos de internação, ou até completarem os 21 anos.
Quais medidas seriam efetivas para conter a
violência que atinge níveis absurdos em São Paulo, com altos índices de
homicídios por arma de fogo principalmente nas periferias?
Ariel de Castro Alves - O Estatuto da Criança e do
Adolescente gerou muitos avanços nos últimos anos com relação ao atendimento às
crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes deixa muito a desejar,
principalmente nas áreas de educação, saúde e profissionalização. A prevenção,
através de políticas sociais, custa muito menos que a repressão. O futuro do
Brasil não pode ser condenado à cadeia.
São necessários programas de inclusão e oportunidades
visando à emancipação social dos jovens. Sempre digo que só com conselhos e
atendimentos esporádicos não temos como convencer o jovem a deixar o
envolvimento com o crime. Temos que ter programas capazes de criar um novo
projeto de vida para os adolescentes, que envolvam suas famílias. Programas com
subsídio financeiro, que ofereçam bolsa-formação, oportunidades de estágios,
aprendizagem, cursos técnicos, empregos, com ações dos órgãos públicos e também
da iniciativa privada.
Quando o Estado exclui, o crime inclui. Se o jovem
procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola ou num curso
profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai ser incluído. O
Estatuto da Criança e do Adolescente tem o caráter mais preventivo do que
repressivo. Se o ECA fosse realmente cumprido sequer teríamos adolescentes
cometendo crimes. É exatamente pela falta de cumprimento do Estatuto e pelo
alijamento de muitas crianças e
adolescentes dos seus direitos fundamentais previstos no ECA é que temos
adolescentes envolvidos com a criminalidade.
A ausência de políticas públicas, programas e serviços de
atendimento, conforme prevê a lei, e a fragilidade do sistema de proteção
social do País favorecem o atual quadro de violência que envolve adolescentes
como vítimas e protagonistas. Isso só será revertido quando realmente for
cumprido o princípio Constitucional da Prioridade Absoluta com relação às
crianças e adolescentes, o que atualmente ainda é uma utopia. Quem nunca teve
sua vida valorizada, não vai valorizar a vida do próximo. O que esperar de crianças
e adolescentes que nunca tiveram acesso à saúde, educação, assistência social,
entre outros direitos. Muitas vezes não tiveram sequer uma família
efetivamente. E sempre viveram submetidos a uma rotina de negligência e
violência. A negligência, a exclusão e a violência só podem gerar pessoas
violentas.
Em abril de 2012, entrou em vigor a Lei que criou o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, o cumprimento desta lei também resultaria num atendimento mais
adequado aos adolescentes infratores no País, com ações qualificadas por parte
dos municípios, dos estados e do governo federal. Mas, ainda, o poder público
tem se omitido no cumprimento desta lei, mantendo unidades de internação ou
programas de atendimento em meio aberto totalmente inadequado.
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