O texto a seguir foi publicado no Jornal Estado de Minas do dia 21 de junho de 2013, é do desembargador do TJMG Tarcísio Martins Costa, ex juiz titular da Vara da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, ex presidente da Associação Brasileira dos Juízes da Infância e da Juventude, fundador da Associação Brasileira dos Juízes da Infância e da Juventude, fundador da Associação Mercosul dos Juízes da Infância e da juventude, autor de Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Boa leitura.
Sempre
que surgem crimes de maior gravidade praticados por crianças ou adolescentes, a sociedade clama pela
redução da idade penal, voltando o tema a adquirir a relevância de auge
criminal. Para o menor criminoso exige-se cadeia, mesmo quando se sabe que a
cadeia não recupera ninguém.
Dois
são os argumentos reprisados nesse sentido, esgrimidos até mesmo por
respeitados juristas. O primeiro refere-se ao fato de o adolescente de 16 anos
já estar plenamente conscientizado. Se a Constituição lhe assegura o direito de
votar, é porque reconhece sua maturidade. Assim, ressoaria no mínimo incongruente
admitir não ter ele suficiente consciência social e moral para ser penalmente
responsabilizado.
Trata-se
apenas de uma meia-verdade. Se ao menor de 16 faculta-se o direito de voto, por
outro lado lhe é negado o direito de ser votado. Só aos 18 anos poderá se
candidatar a vereador e aos 21
a deputado e prefeito. Candidato a senador,
vice-presidente e presidente da República só aos 35.
Demonstra-se,
assim, que o legislador não lhe reconhece suficiente maturidade ou capacidade
subjetiva para participar plenamente da vida política do país. E mais. Somente
depois de completar 18 anos poderá obter suar carteira de motorista. Entre os
16 e os 18 anos, precisa da autorização dos pais ou responsáveis para contrair
matrimônio. Os negócios jurídicos por eles celebrados são anuláveis. Na esfera
do direito civil, a gama de restrições, em razão da idade, é, portanto, muito
maior do que a dos direitos conferidos. Ora,
chega a ser contraditório que possa ser equiparado ao maior e ir para a cadeia,
nas mesmas condições do adulto.
Outro
argumento recorrente insiste no rematado equívoco de que o aumento da
criminalidade resulta da completa impunidade dos menores de 18 anos. Ao
contrário do que se apregoa. O Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA – não
compactua com a impunidade. Oferece um rol de medidas aplicáveis ao adolescente
infrator, que pouco difere das penas aplicadas aos adultos. Praticado o ato
tipificado como crime, ele é apreendido. Responde a um processo, no qual um
juiz de Direito, ao final, proferirá uma sentença sujeita a apelação, podendo
ser decretada a sua internação, até o máximo de três anos, em regime fechado.
O
forte clamor social pela redução da idade penal se explica pela difusão da
crença errônea, arraigada no imaginário da maior parcela do nosso povo, de que
nada ocorre com o menor e que o direito penal fornece a fórmula mágica para a
prevenção e solução dos desvios sociais. Impõem-se, contudo, corrigir algumas
distorções da Lei 8.069/90, visando desencorajar os jovens que se julgam acima
da lei e do respeito à vida alheia. A começar pela criteriosa revisão do
Capítulo IV, Seção VIII, da internação, facultando-se ao juiz, em casos
excepcionais, prorrogar o prazo de internação, além dos três anos.
De rigor
seja também disciplinada a medida de segurança para infratores instintivos ou
psicopatas. Lembre-se que o Código de La Ninez y Adolescencia, uruguaio, de 1997,
inspirado nos mesmo princípios que nortearam o ECA, foi bem mais rigoroso ao
fixar o limite das medidas privativas de liberdade em cinco anos. Se acolhida a
falaciosa PEC 171/93 a situação carcerária no país, já caótica, entrará em colapso. E o pior. O
convívio diário com criminosos adultos, ao contrário de reduzir, aumentaria a
periculosidade de milhares de jovens e, por via reflexa, a própria
criminalidade.
A
medida tem ainda uma faceta discriminadora por recair sobre a parcela mais
carente da população juvenil, da qual sairão para as cadeias infectadas os
adolescentes infratores. Culminaria por condená-los duplamente. Primeiro, por ser, na sua maioria,
objeto de um processo de marginalização social, para o qual não deram qualquer
contribuição; segundo, por serem agentes de atos para os quais foram conduzidos
por esse mesmo processo de exclusão social.
Ao
contrário do que a mídia divulga, o limite de 18 anos se converteu praticamente
em regra internacional, recomendada por importantes documentos supranacionais.
A pesquisa Crime trends, da
oraganização das Nações Unidas ONU, analisando a legislação de 57 países,
constatou que apenas 17% adotam idade menor de 18 anos para definir a
responsabilidade penal dos adultos. O Japão a estabelece em 20 anos, idade a
partir da qual amadurece o córtex pré- frontal, área do cérebro responsável
para tomar decisões complexas e controlar a impulsividade. Até uma criança de
9, 10 ou 11 anos de idade sabe que matar ou roubar é crime. O problema,
contudo, é outro: a notória incapacidade de o adolescente introjetar ou agir de
acordo com esse conhecimento.
Segundo
renomados psicólogos, a influência das mudanças corporais, determinada pela
explosão hormonal, provoca um verdadeiro desequilíbrio interior que o conduz a
cometer os maiores desatinos (síndrome da adolescência)
Em
suma, optar pela pena criminal no lugar da socioeducação representa um inadmissível
retrocesso. Além de violar uma cláusula pétrea da Constituição, significaria a
confissão de um rotundo e vergonhoso fracasso: a nossa incapacidade de
respeitar os direitos básicos de um imenso contingente de jovens e equacionar,
com realismo e competência, a problemática daqueles que prematuramente se põem
em conflito com a lei. Em outras
palavras, a definitiva renúncia na crença do poder transformador da educação.
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