Créditos: Yuri Kiddo,
do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
Historicamente discriminadas num
país que ainda vive resquícios do sistema escravocrata, abolido há mais de 100
anos, as trabalhadoras e trabalhadores domésticos vem conquistando pouco a
pouco seus direitos.
A maioria dos trabalhadores
domésticos enfrenta péssimas condições de trabalho, que incluem salários
baixos, extensivas jornadas, proteção social escassa ou nula, pouco tempo
livre, más condições de vida e um descumprimento generalizado das normas laborais.
O Brasil vê que alguns esforços
para acabar com o problema começaram a dar resultado em 2013. Para equiparar os
direitos das trabalhadoras e trabalhadores domésticos, em abril de 2013, o
Brasil promulgou a Emenda Constitucional 72 de 2013, (antiga PEC das
Domésticas), que garante aos profissionais da área os mesmos direitos de outros
trabalhadores. “É importante destacar que a Emenda Constitucional, que estendeu
os direitos já assegurados em 1988 a todos os demais trabalhadores brasileiros
foi uma vitória demorada, mas conquistada por essa categoria”, afirma a
secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil (Fnpeti), Isa de Oliveira.
Agora a Convenção 189, da OIT
Paralelo à Emenda, o País está se
organizando para ratificar a Convenção 189, da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que versa sobre o trabalho doméstico e teve destaque nos
debates da III Conferência Global sobre o Trabalho Infantil, no início de
outubro. “Foi um ‘start’ para a igualdade de direitos. Criamos em 2012 uma
comissão para preparar, de forma tripartite (governo, empregadores e
representantes dos trabalhadores), o parecer com sugestão de ratificação, que
aguarda posicionamento do Ministério de Relações Exteriores e será encaminhado
à Presidência da República que, concordando com o parecer, submeterá ao
Congresso Nacional, para fins de ratificação”, explica a auditora fiscal do
trabalho, Tania Mara Coelho.
A Convenção 189 sobre as
trabalhadoras e os trabalhadores domésticos foi aprovada em junho de 2011 e foi
considerada um sinal político importante, pois promove em diversos países a
adoção de novas legislações sobre trabalho doméstico e também fomenta os
debates sobre suas condições laborais.
Enquanto a ratificação ainda não
aconteceu no Brasil, oito países já se comprometeram, sendo metade da América
Latina: Uruguai, Filipinas, Ilhas Maurício, Nicarágua, Bolívia, Paraguai,
Itália e África do Sul.
Pelo tratado internacional, estes
direitos incluem horas de trabalho razoáveis, descanso semanal de pelo menos 24
horas consecutivas, um limite aos pagamentos em espécie, informação clara sobre
os termos e condições de emprego, respeito dos princípios e direitos
fundamentais no trabalho, incluindo a liberdade sindical e o direito de
negociação coletiva. “A importância de todas essas discussões internacional e
nacional é a consciência da necessidade de que os trabalhadores domésticos
tenham um trabalho decente, que tenham os mesmos direitos do conjunto de
trabalhadores assalariados”, pontua a diretora do Escritório da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo.
O problema
Se para adultos as condições não
são favoráveis, para crianças e adolescentes que trabalham com atividades
domésticas, o impacto é ainda maior. Restrição do tempo para brincadeiras,
queda de rendimento e frequência escolar, além da influência negativa na saúde
física e mental de meninos e meninas são alguns dos pontos levantados por Isa
de Oliveira.
Já para Abramo, o menino ou
menina fica exposto a violência, abuso sexual e acidentes domésticos. “A
ampliação dos direitos com certeza vai ser um instrumento muito importante
nessa luta contra o trabalho infantil doméstico, que ainda é algo que tem peso
no Brasil”.
Desafios
Para a secretária-executiva do
Fnpeti, Isa de Oliveira, a prioridade no momento é assegurar a regulamentação e
a garantia plena de todos os direitos previstos na Emenda Constitucional 72, e
com isso, combater também o trabalho infantil doméstico, caracterizado pela OIT
como uma das piores formas de trabalho infantil.
“No Brasil a idade mínima para
ingresso em atividade doméstica é 18 anos. Temos que continuar sendo vigilantes
e fortalecer a fiscalização. É difícil, mas não é impossível, todos podemos
denunciar os casos ao conselho tutelar”, aponta Oliveira. Para a auditora
fiscal do trabalho, Tania Mara Coelho, a fiscalização deve agir de forma
indireta, “na maioria das vezes, notificando o empregador a comparecer em dia e
hora previamente marcados na unidade regional do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) para sanar as irregularidades denunciadas pela empregada doméstica”.
Porém, Isa de Oliveira afirma que
ainda falta criatividade para se pensar e aplicar novas estratégias mais
eficazes de fiscalização. “Nunca fizemos trabalho com síndicos e porteiros de
prédios, por exemplo, há muitas estratégias que não foram pensadas”.
Resquícios da escravidão
Mulher, negra, com baixa ou sem
escolaridade. Este é o perfil predominante apontado pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011, no relatório “O trabalho infantil
doméstico no Brasil”, realizado pelo (Fnpeti).
Mesmo tendo reconhecido o
trabalho doméstico como profissão, em 1972, o Brasil faz uma discriminação aos
trabalhadores e trabalhadoras domésticos. “A elite e as classes que contratam tratam
essas trabalhadoras como pessoas de segunda categoria. Esses valores são
arraigados e precisam ser discutidos”, afirma a secretária-executiva do Fnpeti,
Isa de Oliveira. Para ela, a valorização do trabalho doméstico ainda precisa
ser fortalecida, pois é vista com qualidade menor. “São resquícios da
escravidão. Esses padrões culturais são dominantes, vivemos em um país
capitalista, então receber um salario digno também valoriza a profissão”.
Entre as 258 mil crianças e
adolescentes de cinco a 17 anos ocupados nos serviços domésticos, em 2011, 241
mil (93,7%) são meninas, e entre essas aproximadamente 172 mil são negras. Para
especialistas, esse número é muito maior, porém desconhecido pela dificuldade
em se apurar e fiscalizar.
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