Tadeu Jungle e Estela Renner - Créditos: Pós TV |
Yuri Kiddo, da Cidade Escola Aprendiz
Preocupados com a influência da publicidade em torno de
crianças e adolescentes, a série de encontros mensais Primaveras – diálogos
sobre ativismo, democracia e sustentabilidade promoveu, no último dia 20 de
março, o debate Publicidade Infantil: João e Maria na Terra Sem Lei.
Fazendo alusão aos contos infantis, o coordenador de comunicação
do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Adriano Calhau, abriu a noite
na Matilha Cultural, em São Paulo, com um texto autoral sobre os personagens
João e Maria vivendo em meio às chamadas junkies foods (lanche, salgadinho,
fritura) e os massivos ataques da publicidade direcionada às crianças.
Em forma de roda, o debate contou com as participações
dos cineastas, Tadeu Jungle e Estela Renner, autora de importantes filmes sobre
a relação de crianças com o consumo. Segundo especialistas, além de problemas
como estresse familiar, adultização, erotização e sexualidade precoces, e
outros fatores nocivos, o aumento da ideia do “ter para ser” se torna cada vez
mais pertinente na sociedade contemporânea.
Crianças, a Alma do Negócio 2008 e, Muito Além do Peso 2012, documentários de Estela Renner, trazem depoimentos e fatos
chocantes sobre essa relação desigual e seus malefícios, como o aumento da
obesidade infantil no Brasil, doença que assombra mais de um terço das
crianças.
Outro dado interessante é que 56% dos bebês com
menos de um ano já tomaram refrigerante. A pesquisa Vigilância de Fatores de
Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel),
feita em 2011 pelo Ministério da Saúde, revelou que a proporção de obesos subiu
de 11,4 por cento para 15,8 por cento entre 2006 e 2011.
Cena do documentário Muito Além do Peso. |
A Pesquisa de
Orçamentos Familiares (POF), de 2009, apontou que 21,7% dos
brasileiros que têm entre 10 e 19 anos apresentam excesso de peso; em 1970 esse
índice era de 3,7 por cento. Segundo os dados, 1,14% das mulheres e
0,44% dos homens apresentam obesidade grave, o que representa 0,8% da população. Ao todo, há 14,8 milhões de brasileiros obesos, número
equivalente a quase metade dos obesos dos Estados Unidos.
“Um dos objetivos do filme, e tem a ver com ativismo sim,
é provocar as pessoas individualmente”, explica a diretora. “É isso que a gente
quer para nossos filhos?”, questiona. Além disso, os filmes se tornam cada vez
mais pertinentes por comprovar que a sociedade está sofrendo excessos, mas não
está totalmente consciente disso. “Tem um segmento gigantesco de médicos,
nutricionistas, psicólogos e afins preocupados com as famílias e suas
geladeiras. Nesse sentido, o filme surge
como ferramenta para utilização em qualquer espaço formativo e educativo",
explica Estela.
Apesar da formação de publicitário, Jungle é consciente
da causa e reflete sobre os caminhos saudáveis que podem ser adotados e a
relevância da produção de conteúdos audiovisuais como ferramenta para
ativistas. “Eu vejo o mundo atual cada vez mais conectado, com pessoas mais
ativas enquanto indivíduos. Uma pedrinha atirada na margem de um lago
reverbera-o por inteiro. Essa é a importância do audiovisual, da internet e de
pessoas interessadas”.
O debate foi organizado por cinco grupos que se dedicam a
temáticas e causas sociais: o Instituto Democracia e Sustentabilidade; o espaço
Matilha Cultural; as revistas Página 22 e Outras Palavras e a Escola de
Ativismo. E contou com a cobertura online realizada pela Pós TV.
RETROCESSO POLÍTICO
Para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a
publicidade parece não atingir a sociedade. Indo contra dados e fatos, o governante novamente vetou mais um projeto de
lei, aprovado pela Assembleia Legislativa, relacionado à venda de alimentos
para crianças.
O projeto 1.096/2011, do deputado estadual Alex Manente
(PPS), foi interpretado pelo governador como inconstitucional. Alckmin também
afirma falta de competência do Estado em legislar a propaganda comercial. No
fim de janeiro, o governante já havia vetado o projeto de lei apresentado pelo
deputado estadual Rui Falcão (PT), que restringia a publicidade de alimentos
não saudáveis em escolas e, das 6 às 21 horas, nas rádios e TVs (PL 193/2008).
“Fazer uma contrapropaganda é uma forma de ativismo
legal. É mais fácil queimar a imagem de uma marca do que tentar fazer valer um
projeto de lei”, sugere Estela Renner. “Temos o outro lado da historia, a nossa
historia, que podemos contar na web e de forma audiovisual”, concorda Tadeu
Jungle.
O diretor, porém, faz uma ressalva. “A ideia não é
vilanizar o produto, mas direcioná-lo ao público certo. Crianças jamais devem
fazer parte desse público, porque elas fantasiam e não têm discernimento do que
é real ou não".
Em nota pública, o Instituto Alana (apoiador da causa e
de iniciativas contra os excessos da propaganda voltada ao público infantil)
aponta que “faltou, mais uma vez, vontade política para enfrentar com coragem a
necessidade de regulação do abusivo marketing de alimentos 'junkie food'
direcionados às crianças”. A ONG também apoiou a cineasta na produção de seus
dois documentários.
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