Crédito: Autor: Danillo Ferreira - Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA.
Neste
momento em que se discute maioridade penal no país, muita gente fala sobre o
tema, opina, se posiciona, majoritariamente a favor de que jovens de 16 anos
sejam legalmente tratados como são os jovens de 18 anos atualmente. A maior
parte dos debatedores faz como fiz no título deste post: utiliza-se da falácia
da autoridade, para garantir o convencimento de sua audiência. Como geralmente
ocorre no Brasil, nossa reflexão é de urgência, nosso raciocínio é de
improviso, nosso planejamento é para ontem. Fala-se: “fui vítima, e sei o que estou
falando”, “sou policial, e conheço bem o problema”, “sou juiz e meu parecer é
lúcido”.
Pois bem, sou policial, e contra a redução da maioridade penal.
Por quê? Porque sempre que ouço falar do tema me sinto no conto “O Alienista”,
de Machado de Assis, que trata de uma cidade em que um psiquiatra,
diagnosticando casos de loucura, acabou internando todos os moradores em um
hospício, mantendo-se apenas ele, o alienista, fora do hospital. Como bem disse
o Sakamoto, daqui a uns dias reivindicaremos “Maioridade penal aos seis.
Afinal, nessa idade, eles já se vestem sozinhos“:
A
Fundação Casa, do jeito que ela está, não reintegra, apenas destrói. A prisão,
então, nem se fala. Também não acho que reduzir a maioridade penal para 16 anos
vá resolver algo. Ele só vai aprender mais cedo a se profissionalizar no crime.
E se jovens de 14 começarem a roubar e matar, podemos mudar a lei no futuro
também. E daí se ousarem começar antes ainda, 12. E por que não dez, se fazem
parte de quadrilhas? Aos oito já sabem empunhar uma arma. E, com seis, já se
vestem sozinhos.
Quando um governante defende o encarceramento de uma
parcela da sociedade, a mim, parece que rubricou um atestado de
incapacidade para lidar com certos problemas, e demagogicamente passa a
defender uma “solução definitiva”. Usando uma metáfora futebolística, podemos
assemelhar nossa sociedade a um time que joga mal, e que, para resolver tal
defeito tático, resolve não mais jogar. Pronto: sem jogo, não há time jogando
mal, não é verdade?
Para qualificar o debate, vale atentar para alguns dados trazidos por recente
artigo de Eliane Brum (que vale ser lido na íntegra):
- Mais
de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, segundo
o Mapa da Violência. Vou repetir: mais de 8.600. Esse número coloca o Brasil na
quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças
e adolescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes
foram vítimas de maus tratos e agressões segundo o relatório dos atendimentos
no Disque 100. Deste total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência
psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60%
exploração do trabalho infantil. Menos de 3% dos suspeitos de terem cometido
violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos,
conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem comete
violência contra crianças e adolescentes são os adultos;
- Do
total de adolescentes em conflito com a lei em 2011 no Brasil, 8,4% cometeram
homicídios. A maioria dos delitos é roubo, seguido por tráfico. Quase metade do
total de adolescentes infratores realizaram o primeiro ato infracional entre os
15 e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
E, adivinhe: a maioria abandonou a escola (ou foi abandonado por ela) aos 14
anos, entre a quinta e a sexta séries. E quase 90% não completou o ensino
fundamental;
- Numa
pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase 15 mil processos de
adolescentes infratores havia informações sobre o Plano Individual de
Atendimento (PIA), que permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como
possibilidade de mudança e desenvolvimento;
- Vale
a pena registrar ainda que o número de crimes contra a pessoa cometidos por
adolescentes diminuiu – e não aumentou, como alguns querem fazer parecer.
Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011 os
casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de
latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de
3,3% para 1%. Vale a pena também dar a dimensão real do problema: da população
total dos adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cumprem medidas
socioeducativas como infratores. Vou repetir: 0,09%. E a maioria deles
cometeram crimes contra o patrimônio.
Quem tem um mínimo de noção da
atual estrutura de (in)justiça criminal no país sabe bem o que significa o
encarceramento de menores em penitenciárias comuns. Quem acredita que a solução
é a melhoria do encarceramento, deve se perguntar por que não acredita na
melhoria da educação e estruturação sócio-afetiva dos jovens brasileiros.
Enfim, me parece que chegamos ao máximo de redução argumentativa do tema:
acreditar que podemos encarcerar para educar ou que podemos educar para não
encarcerar? Mais: há intenção educativa no encarceramento ou é, somente,
enclausuramento e “eliminação do problema”?
Fecho copiando, novamente,
Eliane Brum:
Eu
acredito na indignação. É dela e do espanto que vêm a vontade de construir um
mundo que faça mais sentido, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por
isso, diante de um assassinato consumado em São Paulo por um adolescente a três
dias de completar 18 anos, minha proposta é de nos indignarmos bastante. Não
para aumentar o rigor da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor
ao exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem aumentar o rigor
da lei. Se eu acreditasse por um segundo que aumentar os anos de internação ou
reduzir a maioridade penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha
neste momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança essa proporção
porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco. Ou só se indigna aos
espasmos, quando um crime acontece. Se vivemos com essa violência é porque
convivemos com pouco espanto e ainda menos indignação com a violência
sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no
descumprimento da Constituição em seus princípios mais básicos. Se tivessem
voz, os adolescentes que queremos encarcerar com ainda mais rigor e por mais
tempo exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos governam pelo voto
– maioridade moral.
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